Páginas

05/08/2014




Entrevista dada ao portal da Procuradoria Geral da República!

O Portal entrevista a escritora, curadora e benzedeira sobre questões relacionadas ao feminino

por . Maria Emilia B Rossa

O Portal desta semana entrevista Rose Kareemi Ponce sobre o feminino sagrado, feminismo, sociedade patriarcal e vivências da descendente de índios, curadora e benzedeira radicada em São Paulo.

O Portal: Conte-me um pouco de você.

Rose Ponce: Meu nome é Rose Kareemi Ponce, moro em Salesópolis, SP, nascida no pantanal matogrossense. Neta de índia, filha de militar e dona de casa. Cresci brincando na rua, colhendo fruta no pé,
correndo de pés descalços e passando férias em fazenda. Trabalho com o feminino sagrado, lido com a natureza da mulher, com a sabedoria nata de cada uma, com o amor próprio, o autorrespeito. Abraço o ventre dolorido. Sei que sou cura e curadora, sou amor e sou fé. Assim como dou, recebo. Vivo em todas as histórias que escuto e me curo em cada uma delas. Sou nutrida na alma e nutro as que por meu caminho passam. Sou feliz comigo e levo flores por onde passo! Sou apenas o ser que nasci para ser, sem intervenção financeira, sem posses, sem invenções do ser tipo quem não sou ou possuir o que não dou conta. Apenas sou e caminho. Sou mulher, mãe, dona de casa, reikiana e benzedeira. Eu sonho com o dia em que todos nós possamos conviver com respeito entre nossas diferenças, sabendo que isso não nos separa, mas acrescenta ao nosso crescimento

O Portal: Como trabalha a questão do feminino sagrado?

Rose Ponce: O feminino é trabalhado dentro de mim desde que me conheço por gente, pois, desde sempre, convivo com muitas mulheres: mãe, tias, avós, vizinhas mais velhas, amigas e outras. Apenas percebemos que estamos sendo trabalhadas, ou lapidadas em nossa essência, quando ficamos mais velhas e deixamos de questionar demais, aprendendo a ver tudo conforme acontece, sem expectativas.
Com o tempo percebi que sempre fui direcionada à compreensão do universo feminino, seja através da aceitação dos meus ciclos menstruais, por minha natureza emotiva, seja por minha capacidade de compreensão do universo como célula primária da vida. Trabalhar o universo feminino, para mim, foi apenas me permitir ser a essência mutante, a água que corre a emoção que flui, sem que haja julgamentos.
Trabalhar o feminino é ser acolhimento, é respeitar-se, é não querer ser igual ao homem, mas ter respeito por mim e trilhar minha própria estrada, imprimindo ao chão as minhas pegadas.

O Portal: Conte sobre as vivências que teve com o feminino sagrado.

Rose Ponce: Tive inúmeras vivências nessa jornada com o feminino sagrado e muitas me marcaram, porque me trouxeram aprendizados que me fizeram penetrar na minha própria jornada. Gosto de lidar com emoções profundas, com feridas que as mulheres pensam nunca serem capazes de permitir que cicatrizem, auxiliando para que transcendam o campo do sofrimento e penetrem em um campo mais profundo, que é o do aprendizado. Em todos os encontros com mulheres que participo, seja como condutora ou como conduzida, há sempre relatos muito próximos. Há histórias parecidas de mulheres que, de uma forma ou de outra, foram tolhidas, podadas, julgadas, molestadas, abusadas, sexual ou psicologicamente. Em cada vivência, anexei em meu currículo incontáveis lições, inenarráveis histórias de superação, de crescimento, nas quais mulheres, antes abusadas e subjugadas, através do simples ato do dividir experiências de dor e sofrimento, conseguiram o bálsamo para a cura de suas próprias dificuldades. Nós temos a capacidade ou dom, como queiram, de produzir naturalmente, quando reunidas, o hormônio do amor - a ocitocina, também produzido durante o parto. O hormônio que nos permite criar um elo com o próximo. Sinto que é essa nossa natural capacidade, que faz com que, nós mulheres, sejamos tão capazes de amar, perdoar e termos compaixão com nossos semelhantes! Minha vivência com o feminino foi acontecendo e sinto que, apenas assim, todas nós conseguiremos sair do padrão patriarcal de vida, para seguirmos nossa própria natureza!

O Portal: Por que está - ou parece estar - complicado o relacionamento nos dias de hoje?

Rose Ponce: Sinto que os relacionamentos estão complicados porque seguimos um padrão ilusório, onde meninas são princesas e meninos príncipes “que as salvam” de todos os males da humanidade.
Fomos criadas no sistema do patriarcado e, portanto, por termos sido podadas, seguimos a visão do masculino, onde as meninas são criadas para serem ou a gata borralheira que limpa e cuida maternalmente
do seu homem, ou o a guerreira, que não aceita conviver com o homem que se apresenta, ou seja, o provedor, o cuidador, o "chefe de família". Vivemos em um conflito grande de comportamento. As mulheres se perdem entre o desejo de liberdade e a realização natural, podendo ter as duas coisas. Nós sonhamos com príncipes encantados porque fomos ensinadas que somos princesas e isso ainda é transmitido às novas gerações. Ensinamos nossas filhas que não há decepções, porque princesas são perfeitas, vivem uma vida perfeita, relacionamentos perfeitos, em uma casa perfeita. Nos afastamos da realidade, ou seja, que não há relações perfeitas, porque não somos perfeitos. As vidas somente terão significado quando nos aceitarmos como somos, e não como participantes de um conto de fadas. As relações têm tudo para dar certo quando, simplesmente, reconhecermos como somos e onde estamos, construindo algo a partir desse ponto, liberando o que passou, sem comparações e abandonando antigos padrões.

O Portal: Fale um pouco da sua percepção das linguagens feministas e machistas e sua implicação nos pensamentos e sentimentos de homens e mulheres.

Rose Ponce: A linguagem feminista nos dias de hoje continua seguindo o mesmo padrão de quando se iniciou o movimento e sempre dentro de uma visão pessoal. Sinto hoje ser uma forma arcaica de se manter. Explico: quando o movimento feminista começou, nós mulheres não tínhamos nenhum outro exemplo a seguir, do que pensávamos ser liberdade, senão o masculino. Não tínhamos nenhum exemplo a copiar, senão o dos homens, que podiam fazer de tudo, dentro de um comportamento masculino. Começamos nossa revolução pedindo igualdade, coisa que nunca teremos. Começamos a jornada em busca de nós mesmas a partir de um padrão que não era nosso, mas que era o único que tínhamos naquela momento. Não sou contra o que o movimento feminista nos trouxe: a liberdade que temos hoje de escolher nossos maridos, se vamos ou não ter filhos, se vamos ou não casar. Proporcionou-nos o direito ao voto, ao ingresso na universidade e outros direitos, mas o que hoje eu questiono é se precisamos manter a mesma postura inflexível e dura, que foi exatamente onde o masculino se equivocou. Hoje aceitamos que a competição e a luta por posses é o caminho do “sucesso”, e ensinamos isso aos nossos filhos. Sinto que feminismo, hoje, não é me colocar como melhor, maior ou com mais força ou sacralidade do que o homem, mas reconhecer que somos energias que se nutrem mutuamente e que, portanto, devem caminhar juntas. Não podemos entrar na mesma frequência de disputa por poder, status, falsas ideologias, mas podemos nos colocar como portais de almas que chegam para cumprir a missão que cada uma tem, sendo complementares. Precisamos compreender que cada homem nasceu de uma mulher que o aceitou em si e que pode ou não contribuir para a permanência das crenças do patriarcado ou
pela liberação desses antigos padrões. Sinto que todos nós necessitamos sair de conceitos e preconceitos e acessarmos dentro de nosso interior tudo o que não queremos mais em nossas vidas e, realmente,
nos libertarmos, deixando para trás tudo o que nos leva ao julgamento de si ou do outro. Precisamos, efetivamente, nos perceber como companheiros de viagem e, acima de tudo, que estamos aqui para aprender e crescer.

“A grande viagem da vida é saber-se amor”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário para nosso blog, com eles poderemos melhorar e aprimorar nossos textos e abordagens!!