Talvez você nunca entenda o porquê da luta.
Talvez você nunca entenda porque descende de um povo que nunca precisou brigar por liberdade. Não entenda porque sempre teve privilégios. Comida no prato todos os dias. Terra firme para pisar os pés.
Eu custei a entender. Porque mesmo descendendo dos povos originários, não passei fome. Meu pai passou.
Nunca precisei lutar por casa. Meu pai e minha avó tiveram suas terras e casas destruídas.
Nunca precisei brigar por estudo. Meu pai nunca conseguiu fazer faculdade. Era uma época difícil e ele chegou em São Paulo sem estudos, fez Mobral, que era ensino para adultos, mas o sistema não queria indígenas diplomados, apenas servindo.
Talve você nunca entenda porque nunca teve parentes morando em casa de pau a pique, numa época que isso significava pobreza extrema. Hoje é moda e "bio-construção.
Eu era feliz nessas casas em Mato Grosso...e sabia disso!
Talvez pra você, minha luta seja raiva. Não é!
Não sinto raiva. Não é esse sentimento que norteia meus passos, é JUSTIÇA.
Talvez você nunca vai entender. Tudo bem.
Apenas peço para que nos ajude a destruir a casa grande, as senzalas (que ainda existem, sim!), que retiremos do tronco as marcas que jamais sairão da pele. Tendo uma coisa chamada empatia.
Talvez você nunca entenda....não importa, porque eu mesma não entendo todas as dores dos meus parentes, assim como não entendo as dores dos negros, retirados de seu país de origem e servido em bandeja de prata para os brancos se fartarem...mas não importa, porque a falta de entendimento não desfaz a história. Ela É.
A minha luta hoje é honrar todos os meus ancestrais e lutar para que nunca mais precisem brigar pela terra que lhes foi tomada. A minha luta hoje é reconhecer em cada irmão um semelhante e isso por si só, já me torna co-responsavel.
Talvez você nunca vai entender, mas por favor RESPEITE a luta dos excluídos e minorias. Desça do seu trono e horizontalmente olhe nos olhos, certamente ali, vai ver um pouco da sua própria história, ainda que seja do escravagista, do capitão do mato, do catequizador e, quem sabe isso faça você querer escrever um capítulo limpo... Do sangue e da dor daqueles que hoje, você ainda insiste em chamar de indolentes e preguiçosos!
Boa tarde
Rose Kareemi Ponce
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